Conhecimento

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Leucemia Viral Felina


Introdução

O vírus da leucemia felina (FeLV) pertence à família Retroviridae, gênero Gammaretrovirus. O vírus possui envelope lipoprotéico e material genético RNA fita simples. O RNA é transcrito em DNA (provírus) pela RNA polimerase viral Transcriptase reversa (RT) e é integrado ao genoma celular.

O FeLV é classificado em quatro subgrupos, FeLV-A, B, C e T, identificados geneticamente de acordo com diferenças no gene da SU e, funcionalmente, pela utilização de diferentes receptores para entrada na célula hospedeira. Somente o subgrupo A é transmissível entre gatos. A proteína de membrana hospedeira utilizada como receptor é a Feline highaffinity thiamine transporter 1 (feTHTR1),encontrada em tecidos de absorção como intestino delgado, fígado e rins, e também em células do sistema linfoide.

A prevalência da infecção é de difícil determinação, uma vez que a realização dos testes de diagnóstico é voluntária e, pela ausência de um órgão central de coleta de dados, os dados encontrados no Brasil apresentam grande variação. Foram encontrados 12,6%, 32,5% e 47,5% de amostras positivas em três pesquisas no Estado de Minas Gerais. Outros estudos encontraram 38,3% no Rio Grande do Sul e 17,4% no Rio de Janeiro. No geral , em estudos com abrangência de diversos Estados brasileiros, encontraram 6,2% de animais positivos. Essas variações podem ser explicadas pela análise de diferentes grupamentos de animais, já que animais com acesso à rua têm quase três vezes mais probabilidade de adquirir o vírus do que animais de acesso restrito. O contato permanente com gatos de rua ou a introdução de animais de grupamentos infectados pelo FeLV facilita a disseminação do vírus.

 

Transmissão

A principal forma de transmissão é por meio do contado com saliva e secreções nasais de gatos infectados, assim, bebedouros e comedouros servem como fonte de contaminação. Filhotes podem ser contaminados por meio dos cuidados da mãe, via transplacentária ou pelo leite. Também pode ocorrer transmissão via urina, fezes, aerossóis e o meio ambiente, porém essas são fontes menos comuns de transmissão, visto que o vírus não sobrevive em tais meios.

 

Patogenia e Sinais Clínicos

Após a exposição ao vírus, o que vai determinar a manutenção da doença, é a idade em que o gato foi exposto, a resposta imune do hospedeiro, a cepa viral, a quantidade do vírus e a duração da exposição, além da presença de doenças concomitantes no momento da exposição.

Há vários resultados possíveis após a exposição viral. O animal pode desenvolver uma infecção regressiva, onde há resposta imune eficaz e ocorre a neutralização do vírus na fase inicial da infecção. Nesses casos o gato não apresenta viremia e nem antígenos no sangue são detectados.

O gato pode também não conseguir ter uma resposta imune adequada, e o vírus acaba por infectar linfócitos e monócitos. Nessa fase inicial pode haver alguns sinais clínicos como febre, linfoadenomegalia e apatia. Depois de certo tempo o felino pode conseguir eliminar essa viremia antes que a infecção atinja a medula óssea, quando isso ocorre, é chamada de viremia transitória. Nesse tipo de infecção, inicialmente antígenos são detectados nos testes, mas depois, dentro de semanas a meses (no máximo 16 semanas), tais testes passam a ter resultados negativos.

Nos felinos que desenvolvem uma viremia persistente, o FeLV progride em todos os estágios da doença, atinge a medula óssea e se dissemina para o organismo. Nesses casos, ocorre uma produção ineficiente de anticorpos e o animal pode acabar desenvolvendo as doenças relacionadas. Na viremia persistente, a infecção atinge a medula óssea dentro de quatro a seis semanas após a exposição.

Estudos demonstram que há seis estágios da leucemia viral felina: no primeiro estágio ocorre replicação viral local em tecidos linfoides (tonsilas e linfonodos faríngeos através da exposição oronasal); no segundo estágio ocorre infecção de macrófagos e linfócitos circulantes; no terceiro estágio ocorre replicação viral em baço, tecido linfoide associado ao intestino e linfonodos; no quarto estágio há replicação em células da medula óssea e células epiteliais das criptas intestinais; no quinto estágio há disseminação através de neutrófilos e plaquetas infectados oriundos da medula óssea, ocorrendo viremia periférica; por fim, no sexto estágio ocorre disseminação da infecção em células epiteliais e glandulares, com consequente secreção do vírus em saliva e lágrimas. O teste ELISA no soro é negativo no primeiro estágio, assim como o PCR, e o IFI torna-se positivo apenas a partir do quarto estágio.

Os sinais clínicos vão depender dos órgãos atingidos e do tipo de doença que o vírus vai desencadear. Eles podem ser inespecíficos (como perda de peso, depressão ou anorexia) ou específicos, causados pelo próprio vírus ou resultantes de infecções secundárias. O vírus pode causar uma imunossupressão direta no animal, podendo ser responsável pelo desenvolvimento de doenças degenerativas (como anemia não regenerativa), ou doenças proliferativas (como linfomas e leucemias).

O gato imunossuprimido pode desenvolver estomatite, provocada por bactérias ou calicivírus; pode apresentar diarreia ou vômito por infecções secundárias, ou devido ao desenvolvimento de enterite. Pode ter icterícia, a qual pode ser: (1) pré-hepática, devido à eritrofagocitose provocada pelo vírus ou por infecção secundária por M. haemofelis; (2) hepática, devido a linfoma hepático, necrose hepática, ou lipidose; (3) pós-hepática por linfoma alimentar.

As neoplasias mais comuns relacionadas a essa doença são o linfoma (alimentar, muitas vezes atingindo fígado, intestino delgado ou linfonodo mesentérico; mediastinal; e o multicêntrico) e a leucemia. As leucemias mais comumente provocadas pelo vírus em questão são a linfocítica e mielogênica.

Diagnóstico e Tratamento

O método usado rotineiramente para diagnóstico laboratorial é a detecção sérica do antígeno viral p27, e para diagnóstico confirmatório o isolamento viral. O ELISA é a principal técnica utilizada para detectar o antígeno p27 em sangue total, saliva, lágrimas, soro ou plasma; estando presente em maior quantidade no plasma de animais infectados. O soro é o meio que gera menos resultados falso-positivos e falso-negativos quando comparado com outros materiais, por isso é o meio de preferência para a realização dos exames. Não é recomendado o uso de testes que usam lágrimas ou saliva, pois apresentam resultados muito imprecisos.

O teste ELISA é o teste disponível em kits comerciais para detecção do referido antígeno, e normalmente esses testes de triagem passam a reagir, a partir de 30 dias depois da infecção pelo vírus. Entretanto, o desenvolvimento da antigenemia pode variar entre os animais, podendo até ser demorada em alguns gatos. Quando resultados para detecção do antígeno são negativos, mas não se pode descartar uma possível exposição ao vírus, deve-se repetir o teste após 30 dias, ou realizar PCR para detecção de provírus.

Nos exames bioquímicos é comum apresentar hiperbilirrubinemia, aumento da atividade das enzimas hepáticas, azotemia.

O IFI, assim como o ELISA, tem como base a detecção do antígeno p27, porém, sua detecção é em neutrófilos e plaquetas infectados e se torna positivo a partir do momento em que a infecção atinge a medula óssea, indicando que o animal está infectado e virêmico. Podem ocorrer resultados falso-negativos em casos de linfopenia ou trombocitopenia, pois um número não adequado de células poderia impedir a avaliação. Outros resultados falso-negativos podem ser decorrentes de infecções regressivas ou em gatos que conseguiram impedir que a infecção atingisse a medula óssea. Um resultado negativo no teste ELISA e positivo no teste IFI é improvável, e caso aconteça, é possível que seja erro de técnica.

Há três motivos para um resultado negativo no teste ELISA: (1) o animal pode não estar infectado, pois não houve exposição ao vírus, ou por ter ocorrido à eliminação da infecção devido à produção de anticorpos; (2) pode estar ocorrendo uma infecção hiperaguda; (3) ou o felino pode ter eliminado o vírus do soro e estar em uma infecção latente.

O PCR é um teste sensível e quando feito de forma adequada pode ser um bom aliado para confirmação do diagnóstico da leucemia viral felina, principalmente quando há resultados discordantes entre o ELISA e o IFI ou quando há suspeita da doença, mas não foram detectados antígenos.

Os animais que devem ser testados em busca do FeLV são todos aqueles com acesso à rua ou de origens desconhecidas, além daqueles que apresentam sinais clínicos da doença em questão, como forma de diagnóstico. Como a vacina não proporciona uma proteção completa, gatos vacinados também devem ser testados anualmente. Se houve exposição, os felinos devem ser testados quatro a oito semanas após o suposto contato com o vírus, e novamente após 12 semanas. Como o resultado do ELISA não é influenciado por anticorpos maternos, os filhotes também podem ser testados, o que deve ser feito antes dos mesmos terem contato com outros felinos da casa.

O tratamento do FeLV não resulta em cura, apenas em remissão, uma vez que o vírus permanece viável no organismo, desta forma há possibilidade de contágio e podem ocorrer remissões. O prognóstico é reservado em casos de viremia persistente, mas a expectativa média de vida é de dois anos. Felinos infectados, mas que não apresentam sinais clínicos pode permanecer meses ou até anos assintomáticos.

Foto 1: Snap-test utilizado para diagnóstico de FeLV.